Sexta-feira, 16 de Abril de 2010

Mãe, gostas de mim?

Inês era pequenina quando colocou esta questão. Teria três anos no máximo. Talvez nem tanto. Foi a primeira de algumas que viria a fazer posteriormente. Tendo sido uma querida e grande surpresa, a mãe estranhou a questão. É a mais nova da família, tem onze anos de diferença do irmão e oito da irmã. Todos sempre lhe haviam dispensado muita atenção e carinho. Ainda assim, ela colava-se à mãe durante os momentos de pausa e repetia a questão como se quisesse assegurar-se da veracidade dos sentimentos ou porque tivesse necessidade de ouvir várias vezes da boca da mãe ou porque necessitasse de mimo. A mãe abraçava-a, beijava-lhe as madeixas escuras que lhe chegavam aos ombros. Mas parecia não chegar. Periodicamente, lá vinha a mesma questão nascida não se sabia bem do quê.

Uma noite, estavam as duas recostadas na cama da mãe, quando Inês voltou a questionar a mãe sobre os seus sentimentos por ela. A mãe percebeu que era sério. Inês tinha de perceber o quanto era importante na sua família, não sabia bem porquê. Sempre fora a pequenina, a menina de todos. Havia sido criada pela mãe e os irmãos com a ajuda preciosa dos avós.

A mãe fez uma pequena incursão no passado. Não fora fácil. Ficara grávida na altura exacta em que se estava a separar. Os enganos haviam sido a parte que a marcara mais. O muro emocional desmoronara-se. Sentira-se impotente perante o novo rumo da sua vida. Tinha dois filhos e vinha outro a caminho. Como seria a vida dali para a frente? Conseguiria enfrentar sozinha o mundo e tudo o que de difícil ele tem? Duvidara de si. Não duvidara nunca da vida que crescia dentro de si. Foi ao médico que confirmou a existência da vida dentro de si. Dada a idade avançada deveria fazer um exame para saber se estava tudo bem com o bebé. Não quis. Não conseguia aguentar outra perda. Assumiria o pequeno ser tal como viesse ao mundo. Passaram-lhe pelo pensamento algumas ideias aparentemente assustadoras que acabara sempre por suavizar. O amor suaviza tudo. No amor não há medo!

Nesse momento, a mãe decidiu que arranjaria uma história que a levasse a ter noção do amor da família por aquele pequeno ser. Pensou um pouco, enquanto abraçava carinhosamente a sua pequenina. De repente, lembrou-se de uma expressão do seu pai, já velhote, que parecia perdido num país longínquo, enquanto repetia para si em voz alta “Esta menina não tem culpa de cá estar. Esta é que não tem mesmo culpa de cá estar!” Esta fora uma expressão que marcara profundamente a mãe de Inês. Apercebera-se, sem esforço, da importância daquela menina. Surgira por acaso. Não fora planeada, contudo a mãe nunca duvidara em acolher aquela milagrosa prenda da vida. Então, começou a falar baixinho, enquanto a apertava contra si:

- Sabes gosto de ti desde que tinhas este tamanhinho assim. – e juntava o dedo polegar ao dedo indicador para a fazer entender.

Inês observou-a encantada. Juntou por sua vez os dois dedos da sua pequena mão imitando o gesto da mão.

- Não – observou – tu gostas de mim desde que era deste tamanhinho. E estreitou ainda mais o espaço entre os dedos.

- Nem mais! – concordou a mãe – Desde que soubemos da gravidez, isto é, que tu estavas dentro da minha barriga todos nós nos apaixonámos pela ideia – eu, a mana e o mano. Sabes o que fazia a mana? Punha-se debaixo do lençol e cantava baixinho junto da barriga para que tu conhecesses a sua voz. Outras vezes, contava-te histórias sobre nós. Adorou a ideia de seres uma menina!

- O Bruno não. Queria um menino para o ensinar a jogar à bola! – sentenciou a pequena.

- É verdade. O Bruno não sabia muito bem como brincar com uma menina. Mas, depois, habituou-se de tal forma à ideia, que passou a adorá-la. Observava as meninas que encontrava e passou a achar-lhes muita piada. Mas há mais… - acrescentou num tom misterioso. Inês aconchegou-se mais à mãe – Sempre que tinha de sair para tratar de algum assunto e não demorava muito tempo, os manos ficavam contigo e tomavam conta de ti. Uma vez, demorei-me mais um pouco e cheguei a casa preocupada. Fiquei admirada ao observar a mana a mudar-te a fralda e a limpar-te o rabito, enquanto o teu irmão, apavorado, tinha medo que ela fizesse alguma coisa mal que te pudesse prejudicar. Quando cresceste e começaste a andar, andavam sempre atrás de ti com medo que caísses. Um dia, quando fomos a um restaurante, tu quiseste experimentar uns baloiços que lá havia. Era uma espécie de túnel com algumas escadas e um escorrega. Tu desembaraçavas-te bem. Ainda assim os manos, enquanto comiam, observam-te com medo que os outros meninos te pudessem magoar, empurrar. Aconteceu isso uma vez e os teus irmãos levantaram-se imediatamente da mesa para irem pôr ordem no parque. Estavam sempre atentos não fosse algum deles voltar a empurrar-te. Como eras muito meiga e não te sabias defender, faziam isso por ti.

A partir dessa altura, a questão muitas vezes repetida, fora substituída pela brincadeira dos dedos. Inês aprendera que desde muito cedo, desde que não passava de um pequeno ponto na barriga da mãe, fora, desde logo, desejada e muito amada, apesar das contrariedades da vida por que passara. Desde então, parecia mais segura de si e nunca, nunca mais voltara a questionar a mãe sobre tal assunto.

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Sexta-feira, 25 de Dezembro de 2009

A menina e o espírito

Paulina não sabia mas nascera diferente. Não era diferente fisicamente, mas havia algo nela que a diferenciava dos outros. Mas ela não dava por isso. Na sua inocência, encarava tudo com naturalidade. Não se apercebia da maldade, mesmo em crianças da sua idade. Adorava brincar, e, à falta de crianças em casa, procurava as da sua rua, para lhe queimarem a solidão de casa. Com a idade essa diferença acentuara-se. Havia algo nela que as outras não tinham. Em casa, não lhe falaram de nada. O mundo da espiritualidade resumia-se às orações pronunciadas, com toda a sua alma, antes de cair no sono cansado. Como não tinha contacto com o mundo espiritual, os pais, sobretudo a mãe, recusara-se a contar-lhe o que a diferenciava dos outros meninos. Mas estes sabiam. E não eram raros os que se aproveitavam dessa vantagem. Tudo começou, então na sua infância. As suas companheiras de brincadeiras olhavam muitas vezes para a sua auréola, parando as brincadeiras. Paulina não fazia a mínima ideia do que se passava. Desconcertada, limitava-se a ficar parada à espera que as colegas resolvessem continuar. Só mais tarde o mistério se clarificou. Já era tarde de mais! Nas suas aparentes brincadeiras perdera muito do seu futuro. E só vinte anos mais tarde daria conta disso mesmo. As pequenas com quem brincava, não eram suas amigas. Aliás, nunca haviam gostado dela: haviam-se servido dela. Tudo isto lhe foi contado pelo seu velho amigo, que encontrara muitos anos depois. Ele contou-lhe tudo!

  Paulina sentou-se frente à lareira com a cabeça apoiada nos braços dobrados sobre o joelho. O seu espírito ainda se mantinha fiel, como uma grande luz sobre a sua frágil cabeça. Como podia existir tanta gente má neste mundo? Como é possível que se tenham aproveitado da sua ignorância e da sua pureza para lhe destruírem a propriedade intelectual do seu passado, presente e do seu futuro? Tudo começara na sua infância para continuar pela sua vida fora.

  Segundo o velho Tomás, as suas duas companheiras, instigadas pelo pai de uma delas, precisamente aquele que Paulina sempre percebera que a odiava, (nem se dera ao trabalho de esconder isso da criança que era então), limparam muitas das obras que viria a escrever na sua adolescência e juventude e na vida adulta, sobretudo as mais volumosas que seriam as mais cobiçadas, da sua memória deixando nela um irreparável vazio. Tudo isto arrastara o seu êxito, deixando o que restava, para um período adiantado da sua vida. Mas não seriam estas as únicas. Aliás, estas haviam-se dado a um descanso forçado, uma vez que outras pessoas seguiriam o seu exemplo ao longo da vida de Paulina. Até o momento do seu êxito seria depois decidido por uma colega que conhecera de outra faculdade. Tinha visto que um dia seria famosa e encarregar-se-ia, com a ajuda daquelas pessoas que ganham a vida perdendo a das outras, de limitar o sucesso de Paulina à editora que um dia seria sua. Tal como um animal de enormes proporções arrastava atrás de si imensos e pesados parasitas.

  “Estranho”, pensava esta, debruçada sobre os joelhos na direcção da cálida lareira. Tinha consigo um espírito que não lhe valia de nada. Só ajudava os outros a prejudicá-la. Sim, porque tratando-se de um espírito bom, não reconhecera o mal espiritual que outros lhe fizeram ao longo da sua vida. Estava tudo tão claro agora! Muitas das situações para as quais não tivera explicação até então, agora tinham lógica. O seu arranque para o mundo da escrita havia começado tarde, embora tivesse começado cedo. Mas não justificava até as perdas do que construíra. O interesse de pessoas que se haviam chegado a si e que resultariam também no furto das obras que já não iria edificar. Pensou nas pessoas que gostariam de ter tido oportunidade de conhecer as mesmas e no prestígio que isso traria ao país, retirando-o da sua marginalização cultural. A inveja tomara conta das pessoas que com ela se cruzariam durante estes anos todos e que lhe arrancariam um pedaço de si, como sôfregos animais selvagens. Esta era a selva humana, na sua pior demonstração. O que mais a revoltava era a sua passividade perante tanta crueldade! Nunca tivera oportunidade de se defender. Todos haviam violado o seu espaço de memória como se de um disco rígido de um computador se tratasse! Sem qualquer tipo de sentimento ou arrependimento. Eram autênticos vírus alimentando-se do mal causado e, provavelmente, a outros. Lembrava-se de colegas de profissão, todas elas professoras também, que também não tinham resistido a decepar-lhe a memória. Uma profunda angústia invadiu-a. Mais recentemente, lembrava-se de outra colega que lhe invadira o lar para conseguir não só fazer-lhe mal como também para lhe roubar, para a filha uma obra que lhe pertenceria. Aliás, não resultara a escrita do rebento da colega, então sua vizinha, numa tão semelhante à sua? Nem mesmo a sua suposta admiração pela escrita de Paulina poderia justificar tal semelhança! Conhecera tanta gente medíocre na sua vida! Agora percebia o seu interesse nela. Logo nela, tão diferente delas! Pudera, só assim conseguem algo na vida! Ou não! Muitas delas só querem mesmo destruir, evitando que as outras consigam alcançar os seus objectivos na vida. Depois, o mundo espiritual revelara-se promissor a todos os níveis. Era negado pelo comum cidadão pelo que a impunição era total e não havia quem julgasse tais atitudes. Todos os que se apercebiam disso, horrorizados, faziam de conta que não haviam dado por nada!

  O que iria fazer? Como recuperar essas queridas obras que haviam morrido no escuro ventre da sua memória? Como haviam essas pessoas conseguido tal proeza? Virou-se para o idoso que fitava as chamas com uma calma traída pelo temor da sua voz.

  A voz do velho Tomás enterneceu-se. Haviam apagado o estímulo que originara a ideia para o enredo da narrativa. O silêncio rompeu em lágrimas. Deslizavam pela face onde as trémulas chamas pintavam as suas brilhantes cores quentes.

  “Meu Deus, nunca fizera mal a ninguém que justificasse aquele assassínio de memória! Ninguém tinha o direito de fazer tamanha monstruosidade!, a lamentosa voz, entrecortada pelos soluços, cortava o doce silêncio imperial amenizado pelos murmúrios das chamas.

  Por que é que os pais nunca lhe haviam contado nada? A sua amiga Rosa, sentada ao lado de Tomás, lançou mansamente que havia sido uma escolha sua. “Mesmo que errada?”, revoltava-se Paulina entre lágrimas.

  Recordava-se ainda dos seus jovens tios que, alguns anos antes, lhe haviam revelado o segredo tão religiosamente guardado pelos pais, julgando precisamente que estes lhe haviam contado tudo! Ficaram tristes ao apurarem a verdade. Eles não compreendiam o mutismo da irmã e do cunhado referente a um assunto como aquele. Compreendia-os. Tivera dois grandes espíritos bons que a haviam acompanhado grande parte da vida. Nenhum a protegera, embora se esforçassem. Haviam sido, também eles, meros joguetes em mãos caprichosas e más. E dava para fazer de tudo! Até decidir a hora da morte de uma pessoa! Sabia que o seu ex-marido, com a ajuda da mãe, lho preparara. Estava toda armadilhada. Perdera um terceiro espírito, este mau, depois de uma longa luta com a ajuda de orações. Este acompanhara-a desde a nascença, e, surpresa ou não, era um antepassado da sua ex-sogra. Voltara a si, com a ajuda do seu ex-marido, depois de uns bons meses de doce interregno.

  A única conclusão tirada de todo aquele terrível manancial de informação era que não deviam existir tais espíritos. Se ela passara bem sem recorrer a eles por que é que os outros se haviam mantido tão dependentes? Pareciam não poder passar sem tais ajudas!

  O que iria fazer? Segundo Tomás e a amiga só havia uma solução recuperar todas essas obras e escrevê-las mostrando a todas essas pessoas medíocres que o mal não compensa. E se quisesse denunciar a situação? Tomaria as duas atitudes!

  Paulina acenou afirmativamente erguendo o rosto inchado pelas lágrimas. A denúncia era também absolutamente indispensável. Não poderia deixar que outras crianças, adolescentes ou jovens estivessem sujeitos a tais situações. Havia que alertar os pais. Havia que alertar o mundo se queria criar um futuro melhor para todos, sem excepção! Se calhar, não passara em vão por tanto sofrimento, tão longamente guardado, e com tantos cúmplices envolvidos. Havia que levar as pessoas a procurar informações e a acautelar-se com situações semelhantes ou outras.

  As linhas do rosto distenderam-se revelando toda a esperança contida na sua alma, momentos antes obscurecida!

publicado por fatimanascimento às 16:42
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Quinta-feira, 16 de Outubro de 2008

Inês e a lua

Inês andava fascinada com a lua. Olhava-a, naquelas noites de verão, lá no alto, destacando-se, muito redonda e luminosa, dos outros pequenos pontos brilhantes incrustados no veludo escuro do céu. Admirava as formas que se destacavam nela e que a luz realçava. Amava a lua e habituara-se à sua presença, noite após noite. Chamava-lhe amiga e conversava com ela. Abria o seu coração àquela imensa bola de luz branca que lhe fazia companhia sempre. Nunca faltara ao seu compromisso para com ela. Inês sabia instintivamente que podia confiar nela. Encostava-se ao muro da casa onde habitava e falava alto, na sua voz pura de criança. A lua, lá do alto, escutava atenta e maravilhada com as suas confidências. Já conhecia o mano mais velho da Inês, a mana do meio e a mãe, com quem vivia. À noite, a lua sempre esperava por notícias dela e da sua família. E, todas as noites, Inês lhe dava conta das suas tristezas e das suas alegrias. Ela já sabia quais eram os seus brinquedos favoritos, e o sítio onde gostava mais de brincar. Conhecia também a sua casa e o seu quarto. Quando Inês se deitava, ela inundava o quarto com a sua luz, para que ela a visse bem e sorria-lhe até ela adormecer. Uma vez adormecida, a lua vigiava os seus sonhos, iluminando-os com a sua luz mais pura. Era assim todas as noites. A lua e a Inês fundiam-se numa cumplicidade amigável que parecia não ter fim. Mesmo durante o dia, Inês esperava o momento nocturno em que podia ver a sua linda amiga e conversar livremente com ela. A hora preferida delas era aquela que se seguia ao jantar e, enquanto os irmãos e a mãe arrumavam a cozinha, ela saía para o pátio da sua casa, encostava-se ao gradeamento ou ao muro, de onde podia ver bem a sua amiga e lá começava ela a sua conversa. Era a sua amiga favorita, aquela que lhe dedicava toda a tenção que ela precisava e merecia durante aquelas noites. Os irmãos e a mãe observavam-na sem nada dizerem. O irmão, muito mais velho do que ela, admirava-se com a pureza daquela amizade. Comentava baixinho com a mãe aquela estranha amizade, mas a mãe proibira-o de lhe dizer fosse o que fosse. Aquele era o momento da sua irmãzinha, mesmo que ele não entendesse nada. O irmão respeitou, também avisado pela irmã do meio. Todas as noites, se repetia a mesma cena, já habitual para todos. Mesmo os vizinhos da casa ao lado, embora parassem e estranhassem, no início, acabaram por achar piada e sorriam à conversa da pequenita. Desta forma, Inês tinha toda a liberdade para aprofundar a sua amizade com a sua invulgar amiga.

   Um dia, o ar pareceu ficar suspenso e o céu encheu-se de nuvens cinzentas e ameaçadoras. Inês olhava o céu com apreensão à medida que as horas passavam no relógio da sala. Que dia estranho aquele! A temperatura descera e o ar estava fresco na rua. Do céu, caíam grossos pingos de chuva que se esborrachavam no chão, molhando tudo. Inês abria a porta e espreitava o céu. Uma súbita e intensa luz rasgou o céu, cegando-a momentaneamente, logo seguida de um som rouco e profundo que a fez estremecer. Sacudiu a cabeça e entrou em casa. Ela não gostava nada daquele dia e estava ansiosa que chegasse a noite para contar à sua amiga a terrível experiência por que acabava de passar.

   À hora do jantar, o irmão confidenciou à mãe:

   - Estou para ver como é que vai ser esta noite. Não há lua!

   A mãe observou a sua pequenina que aguardava o momento para ir ao encontro da sua amiga.

   - Eu falo com ela. – sossegou-o a mãe, murmurando baixinho e evitando que ela ouvisse.

   Inês continuava distraída. Logo que o jantar terminou, Inês afastou a cadeira da mesa e dirigiu-se ao pátio da casa. Olhou para o céu e esperou.

A mãe e os irmãos admiravam a sua paciência do lado de dentro da janela. Estava encostada ao gradeamento, só que permanecia calada. Ficou lá durante muito tempo. A mãe, ao ver que se demorava, foi até ela, devagarinho, para não a sobressaltar. Inês estava muito calada e não olhava para o céu. A sua cabeça, inclinada para a frente, era o reflexo do desânimo. A mãe sentiu uma grande compaixão para com aquele pequeno rosto triste. O seu cabelo escuro, encaracolado nas pontas, tapava-lhe o rosto de maçãs salientes, os rasgados olhos castanhos-escuros observavam insistentemente o chão, o queixo largo descaído e os lábios largos e finos abertos eram um retrato vivo e comovente. Dos olhos desciam largas estradas de água até ao queixo, impulsionadas por pequenas ondas salgadas.

   - Mãe, a lua não veio. Eu esperei por ela e ela não veio! – murmurou ela com voz entre cortada.

   A mãe voltou-a cuidadosamente para si, agachou-se e sentou-a nos seus joelhos.

   - Não, filha. Ela está ali em cima. – murmurou serenamente ao ouvido da pequenita. – Ela está sempre ali em cima!

   A pequenita abriu muito os olhos:

   - Como se eu não a vejo? – perguntou ela triste, inspeccionando o céu.

   - A lua está sempre lá, as nuvens é que não a deixam ver: tapam-na. A lua continua lá e estará sempre para ti. Ela também gosta muito de ti. Não te esqueceu. Ela é tua amiga! Uma amiga nunca esquece outra. Só as nuvens não permitem que vocês se vejam. Mesmo que tu não a vejas, e ela a ti, a lua sabe que tu estás aqui e que estás triste por não a ver. Também ela está triste. Mas podes falar com ela, que ela ouve. Depois, as nuvens vão-se embora e amanhã tu já a poderás ver. Não é porque tu não a vês que ela lá não está. Sempre que noites cheias de nuvens apareçam para vos afastar, tens de senti-la no teu coração e terás uma amiga sempre. E ela também. Agora vais dormir, e vais falar com ela na mesma que ela ouve e está ansiosa que lhe contes tudo!

   No rosto de Inês transpareceu um brilho que se assemelhava ao da sua amiga lua. Entrou em casa, vestiu o pijama e deitou-se a olhar o céu invulgarmente escuro, falando na sua voz pura de criança com a sua amiga lua, que esperava por ela atrás das nuvens. Falou serenamente na certeza que, quando acordasse, ela veria a sua amiga do coração. Afinal, tal como dissera a mãe, as nuvens não tinham vindo para sempre! 

 

 

Fátima Nascimento Outubro de 2008

 

publicado por fatimanascimento às 14:49
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