Inês parecia incomodada. Trocava de posição sempre que podia, escondendo-se, umas vezes, atrás da mãe, dos irmãos ou dos avós maternos, e até dos restantes familiares, torcendo sempre o pescoço para olhar por cima do ombro, numa aflição que já a incomodava. Como era a única criança, a mãe, que já notara o desassossego da filha mais nova, começava a incomodar-se com tal inquietação. A avó materna, que já se incomodava com as voltas da neta mais nova, e tomando-as como rebeldia, deitava-lhe olhares zangados, acompanhados de uma boca retorcida em sinal de ameaça. Esta atitude pouco amistosa em nada contribuiu para sossegar a pequena, antes pelo contrário, para além do incómodo que ela já tinha, Inês via-se agora obrigada a enfrentar o problema da incompreensão e hipotética agressão física por parte da matriarca da família. Os restantes familiares, já começavam a acusar alguma fadiga devido ao tema de conversa que se enrolava, sem que encontrassem o tão almejado final, que fosse da satisfação geral. Depois, os grupos gerados pela discórdia, estavam longe de encontrar fosse que solução fosse, só alimentavam o desentendimento familiar.
Inês parou por momentos, cansada de tanto movimento. Lá no céu, o sol brilhava intensamente, dourando toda a paisagem, amenizado pela brisa fresca. O calor fazia Inês suar por baixo do seu boné de pala comprida.
Integrada no improvisado grupo, a mãe conversava atentamente com os outros. Parecia haver um problema que merecia toda a atenção familiar. Inês estava excluída e mantinha-se à volta do grupo, como um satélite à volta do seu planeta. A mãe não saberia descrever melhor a situação da filha. Já se apercebera de tudo, esperava só o momento oportuno para poder discretamente sair daquele foco de atenção e poder dar a atenção que a filha precisava. Já percebera que algo a incomodava. Já percebera a atitude severa da avó da criança que, como sempre, não entendera que havia um problema que incomodava a garota. Inês olhou para a mãe desesperada. A mãe sorriu-lhe para a tranquilizar. Ela deixou-se ficar quietinha, por momentos, encostada à mãe, procurando naquele leve aconchego toda a serenidade e protecção que necessitava, naquele instante. A mãe poisou a sua mão em cima do seu pequeno e esguio ombro, num sinal de protecção que a filha visivelmente pedia. Olhou-a nos olhos, naquela cumplicidade que as duas tinham, desde sempre. A miúda lançou um olhar cansado onde se lia uma mistura de angústia e cansaço. A mãe entendeu que chegara a hora de se afastar daquele assunto que, por muita vontade que tivesse, não tinha resolução. Faltava o mais importante – boa vontade.
Afastou-se do grupo familiar, mantendo o braço à volta dos ombros da pequenita. A mãe conduziu-a para um lado do parque, delimitado por um muro de pedra. A pequena pareceu hesitar por momentos, avaliando a paisagem à sua frente. A mãe parou olhando-a sem compreender. A pequenita ergueu os olhos apreensivos que tocaram os olhos serenos da sua progenitora. A pequena encheu o peito de ar e decidiu-se a continuar. Sentaram-se ambas num muro baixo, ladeado de árvores altas, cuja idade se perdia no tempo. A mãe encarou a pequenita:
- Que se passa filha?
- Tenho medo. – respondeu a pequena.
- Medo de quê? – perguntou a mãe sem compreender.
- Disto! – murmurou a miúda num gesto evasivo.
A mãe continuava sem compreender.
- Esta coisa escura! – explicou a garota já desesperada com a mãe que demorava a compreender, indicando a paisagem próxima que as rodeava. A mãe olhou em volta procurando o alvo escuro mencionado pela pequenita.
A gaiata, já sem paciência, levantou-se e pôs-se ao sol.
- Isto! – indicava ela, apontando para o chão, atrás das suas costas. – Persegue-me por todo o lado onde vou!
Atrás de Inês desenhava-se a… sua sombra! A mãe olhou para a pequenita que tinha as lágrimas nos olhos.
- Inês, essa é a tua sombra! Quando estamos ao sol, todos nós fazemos sombra. Repara nas árvores… essa mancha negra que vês desenhada no chão, não se mexe, não tem vida! É só a sombra das árvores.
A pequenita, embora mais descansada, parecia ainda não dominar o assunto. A mãe procurou outra explicação mais simples.
- O sol só tem uma função: iluminar a terra. Como o seu trabalho, embora importante, é monótono, e então para evitar que ele adormeça e queime a terra, com os seus raios quentes, ele vai divertindo-se a desenhar as formas das pessoas, das árvores, das casas, dos camiões… que encontra. Estás a ver? O papel onde ele desenha é o chão, o lápis é o tom cinzento que ele dá a tudo quanto encontra…
A mãe observou o efeito das suas palavras na sua pequenita. Esta parecia mais sossegada.
- Sempre que eu vejo uma sombra ela não faz mal? – interrogou a garota.
- Esta sombra não faz mal a ninguém. Sabes porque nos sentámos aqui, aproveitando a sombra das árvores? Para estarmos mais protegidas do calor. Vês como está mais fresquinho aqui à sombra? Sentes a aragem fresquinha? A sombra é uma ajuda sempre que temos calor e o sol está forte. Olha para a avó… Vês como ela está cansada e já tirou o casaco? Ela está cheia de calor. Não tarda nada, está aqui ao pé de nós, à procura da sombra da árvore!
- Olha, mãe, lá vem ela! – riu-se a pequena. A mãe juntou o seu riso ao da pequena.
. os meus blogs
. calmias