Domingo, 18 de Abril de 2010

Inês e o Pequeno-almoço

Inês levantou-se cedo. Fim-de-semana. Saltou da cama, calçou as pantufas e vestiu o robe ainda ensonada. Olhou para o rádio-despertador. Marcava sete horas! Acordou a voz dirigindo-se à cara ensonada da mãe e murmurando:

- Vou fazer-te o pequeno-almoço!

Desceu as escadas em silêncio. À sua volta a casa ainda dormitava sob a luz fraca e crua da madrugada. O dia desenhava-se chuvoso e cinzento igual aos da semana que findara. Da cozinha chegavam os ruídos das loiças e dos talheres que se mexiam uns contra os outros sob a autoridade da pequena mão.

A mãe não tinha muita fome. Como estava praticamente reduzida ao espaço da cama, de onde pouco se mexia, o apetite era nulo. Mas como a oferta tinha sido tão sincera e tão simpática e partia de uma pequenina de apenas sete anos, a mãe não teve coragem de a desencorajar. Sentou-se cautelosamente na cama e procurou as caixas dos comprimidos que estavam empilhadas do lado oposto ao da cama. Tinha de tomar três espaçadamente assim que acordava. O primeiro, um protector gástrico, outro para a alergia e outro para combater as dores que a imobilizavam mas que não resolviam o seu problema de saúde. Sentia-se desanimada, Mas procurava guardar esse desânimo para si para poupar as pessoas que viviam com ela. Sobretudo evitava assustar a pequenita. Era engraçado vê-la, à noite, no papel de mãe em ponto pequeno aconchegando os edredões e o lençol ao rosto sorridente da mãe ao mesmo tempo que lhe dava beijinhos alternadamente na face e na ponta do nariz!

Voltou a deitar-se com cuidado esperando o regresso da pequena aventureira que se afadigava na cozinha dividindo-se entre o microondas e a torradeira. A mãe seguia atentamente cada ruído para ter a certeza de que tudo corria bem e ela não se magoava. Seguiu-se um silêncio só quebrado pela voz da pequena que enumerava mentalmente todos os objectos necessários de forma a não se esquecer de nada!

Daí a pouco, viu-a subir atentamente as escadas evitando algum possível acidente. Olhava para o tabuleiro onde se equilibravam precariamente uma chávena e um prato ao mesmo tempo que tentava recordar-se dos degraus da escada onde colocava ora um pé ora outro. Finda a difícil e vagarosa subida entrou entusiasmada no quarto dizendo na sua clara voz:

- As torradas queimaram-se um bocadinho mas eu tirei o queimado com uma faca e ficaram boas! – explicou.

A mãe não pôde deixar de sorrir à explicação avançada enquanto se levantava com dificuldade e se encostava às almofadas da cabeceira. A perna foi devastada por uma espada de dor. O seu rosto contraiu-se. Não conseguiria aguentar-se muito tempo naquela posição. Olhou para o tabuleiro: uma chávena com leite morno, duas torradas de carcaça e um guardanapo em cima do qual descansava uma colher de sobremesa!

A mãe despachou-se a comer para evitar a dor que ameaçava tornar-se mais forte! Olhou o pão que não tinha vestígios das desagradáveis queimaduras negras. Comeu as duas torradas empurrando o pão com o leite sempre tentando encontrar uma posição que diminuísse consideravelmente a dor que se tornava cada vez mais insuportável. Acabada a refeição, colocou o tabuleiro ao seu lado gemendo baixinho de dor. Agradeceu alegremente à filha que pegava no tabuleiro e o colocava num sítio seguro muito contente com a sua iniciativa.

- E tu, já comeste?

Inês acenou afirmativamente.

- E o que é que a minha menina comeu?

- Ora, o mesmo que tu! – respondeu com vivacidade encarando a mãe – Leite com chocolate e torradas!

Subitamente uma voz ensonada, vinda do quarto do irmão da menina, elevou-se no ar:

- Inês, traz-me também o pequeno-almoço à cama!

- E a mim também! – pediu uma risonha voz ensonada do quarto oposto.

Ouviu-se a voz da pequena indignada:

- Olha, vão vocês preparar! Vocês não estão doentes. A mãe é que está!

Voltou-se para a mãe à procura de apoio. Esta piscou-lhe um olho risonho e cúmplice.

- Estão a brincar contigo! – sussurrou encostando o indicador aos lábios.

Sentou-se depois junto da mãe, evidenciando um ar importante que na realidade não sentia e começou a ver os desenhos animados deitando uma olhadela de vez em quando à mãe que, ao seu lado, abria um livro e começava a ler para passar o tempo sem desesperar!

O tabuleiro levá-lo-ia mais tarde quando descessem todos para almoçar.

publicado por fatimanascimento às 20:08
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