Quinta-feira, 15 de Janeiro de 2009

Inês e o arco-íris

A tarde estava cinzenta e a chuva caía em gotas grossas e violentas. A humidade, suspensa no ar, convidava ao encerramento de portas e janelas. Para além da estrada, a terra saturada de água, transformara os caminhos de terra em lama. Grandes poças de água escavadas na terra moldada, tornavam o percurso dos poucos carros que atravessavam o curto carreiro, verdadeiro um desafio. Inês, observou melhor o último, que balançava perigosamente, enquanto os pneus se afundavam na água castanha e fria das improvisadas piscinas, para regressarem, pouco depois, à superfície, quase sem fôlego. O carro avançava cautelosamente, com medo de ficar preso naquele inesperado mar de água, cujas ondas ele formava, no seu percurso deselegante e saltitante. Chegado à estrada, o carro pareceu ganhar ânimo e confiança para aumentar a velocidade. Inês, empoleirada à janela, espreitava através das vidraças embaciadas, e acompanhou os últimos metros do carro, que passava, nesse momento, diante da sua aborrecida janela, repletas de efémeros desenhos brilhantes. Inês observou-os apreciativamente e levantou o dedo para juntar mais um risco a um deles. Afastou-se ligeiramente para o observar. Estava engraçado, concluiu, de cabeça ligeiramente inclinada para o lado. Os seus olhos perderam-se no imenso e opulento céu cinzento. Uma nuvem sobressaía do conjunto pelo tamanho e pela cor carregada. Inês chegou-se para a frente e torceu ligeiramente o tronco e o pescoço, para a observar melhor. Tinha um ar cansado. Parecia carregada de água. A cor cinzenta escura e o volume apresentados revelavam isso mesmo. Até o vento, que abanava docemente os ramos dos eucaliptos, assemelhando-os aos fantoches que Inês vira na festa natalícia, parecia ter alguns problemas ao empurrar esta. Era interminável! Inês olhou à sua direita. Bem…, pensou assombrada, afinal a nuvem que acabara de observar não era a única. Do lado do oceano, desenhava-se um exército bem perfilado de nuvens, que avançava lenta e eficazmente, para um embate feroz contra outras nuvens mais leves e ágeis. Inês olhava para os dois lados. O que iria suceder? A chuva lá fora apagara-se. A única água era a que permanecia no solo, dando um aspecto brilhante ao empedrado do quintal, e ao alcatrão novo da estrada que apresentava uma brincalhona fina camada sempre pronta a saltitar à passagem de um automóvel.

  Subitamente uma voz arrancou Inês ao mundo dos pensamentos e da contemplação.

  - Inês, vamos buscar os manos à escola! – gritava a mãe do fundo da escada.

  A pequena sobressaltou-se.

  - Já vou, mãe! – respondeu na sua voz doce e fina de criança.

  - Veste o casaco! – aconselhou-a a mãe.

  - Está bem, mãe! – respondeu a pequena cujos passos se dirigiam ao quarto, para cumprir a ordem maternal.

  Rapidamente os pés de Inês surgiram na escada, saltitando nas suas botas vermelhas de nabuco. No braço direito, descansava um casaco cor-de-rosa cujo capucho balançava ao compasso dos passos da pequena.

  A mãe ajudou a pequena a vestir o casaco e a apertar o fecho. Pegaram nos chapéus-de-chuva e dirigiram-se ao estreito portão pesado, previamente aberto. Meteram-se as duas na carrinha, abandonando a urbanização, rumo ao liceu onde os dois irmãos de Inês esperavam pacientemente a sua chegada. Ao fundo da sua rua, a carrinha voltou à esquerda. Inês, encostada no leve banco com cinto à volta do seu corpo, observava a paisagem que desfilava diante dos seus olhos. Subitamente, puxou o corpo ligeiramente para a frente, alargando o cinto de segurança com a mão, para observar melhor o céu. Que era aquilo? Inês esfregou os olhos para ter a certeza de que estava a ver bem. No céu cinzento desenhava-se um arco multicolor que começava num ponto da terra para terminar noutro desconhecido. Que lindo! O arco parecia brilhar em todo o seu esplendor, reflectindo as suas cores em todas as direcções. Inês estava encantada com tanta beleza. Ficou calada por momentos, observando o arco em toda a sua magnificência.

  Quando a curiosidade se tornou mais forte que a contemplação, Inês apontou na direcção do estranho arco:

  - Mãe, o que é aquilo, ali, no céu? – perguntou a pequena.

  A mãe desviou, por momentos, a sua atenção da estrada e, pelo espelho retrovisor, procurando a direcção em que a filha mais nova apontava. À sua frente, desenhava-se um elegante arco multicolor, resplandecente nas suas coloridas vestes.

 A mãe sorriu.

  - É um arco-íris, Inês! – explicou-lhe. – Sempre que chove, o ar fica molhado o que faz com que o sol nos dê este espectáculo, cheio de cor e luz. Sabes, é como se o sol, nos quisesse mostrar que ele não se esqueceu de nós e que está lá. Foi ele que desenhou aquele elegante arco colorido e brilhante com os seus raios. Já viste as cores?

  - São tantas, mãe! – respondeu a pequena fitando o arco maravilhada.

  A mãe sorriu.

  - O arco tem sete cores: vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil (ou índigo) e violeta.

  - Ele vai ficar sempre ali? – perguntou a garota esperançada.

  - Não, ele vai desaparecer assim que o ar secar… - respondeu cautelosamente a mãe. – Mas, sempre que chover, o sol vai presentear-nos sempre com outro…

  Inês ficou a observar aquele elegante arco tão puro e brilhante, vibrando nas suas cores tão vivas. Na viagem de regresso, ela chamou a atenção dos irmãos que, calados por momentos, admiravam a belíssima escultura de luz, elegantemente erguida no céu escuro.

  Em casa, Inês despiu rapidamente o casaco e dirigiu-se ao quarto. Passados instantes, voltou a descer segurando uma folha branca na mão.

  - Olha, mãe! – exibiu orgulhosamente a pequena.

  No meio da folha, destacando-se de um fundo cinzento, um lindo arco-íris elevava-se na folha resplandecente iluminando os olhos de quem o apreciava.

  - Este não desaparece, mãe… - assegurou a pequena sonhadoramente.

 

publicado por fatimanascimento às 20:47
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